Home

becc362fe68d8d6eba766c0e9f4bd4d5A noite passada a lua escureceu e os loucos, assustados, voaram para longe.

A noite passada a lua escureceu e os loucos, assustados, voaram para longe.

O universo parou, como quem sustém a respiração, e, naquele segundo, deixou de conspirar a favor dos sonhadores e o tempo deixou de ser.

A minha mão tocou a tua pele – nesse tempo, parado, só nosso – e os meus olhos pediram-te. E então nada mais havia que eu e tu e o cadenciado nosso. E percebemos finalmente que temos de deixar ir para nos deixarmos ir.

Criámos códigos nossos, reinventámos a linguagem dos sinceros. Vivemos nas ruas e fomos loucos.

Sabemos que é melhor assim. Ir. E, não havendo promessas nem cordas, decidimos portanto não ser. Há que fugir a tempo de não sentir. (tic, tac, tic, tac…)

Encontraram-se na última das noites vazias: dessas sem tempo nem sombras. Será a última, ainda que sem acordo. Devoram o primeiro e derradeiro jantar e desatam-se pela cidade em busca de um prédio de porta entreaberta. Um qualquer. Há outros cheiros que não querem, não podem, recordar. Entram, discretamente. Ao canto do vão das escadas tratam de saciar as fomes e de anestesiar as dores dos próximos dias.

Sabem portanto que não serão. Mas contudo riem-se – um riso louco, um riso solto, um riso livre, desses irresistíveis – e no entanto rasgam-se como se nada de extraordinário se fosse anunciar ao mundo. Há que fugir de tudo para não sentir.

Quando se separaram, os olhares eram uma lua vazia.

Nada de extraordinário aconteceria ao mundo.

Mas… O vento levantou-se furioso e dividiu-se em dois. Perdeu-se a força nos moinhos e nas velas. As marés suspenderam-se. Os cravos murcharam.

Nas noites que se seguiram a lua escureceu e os loucos, assustados, voaram para longe. Ninguém conseguia explicar porque estavam as ruas sombrias.

Quando a lua nasceu, as águas reflectiam miragens: dois passos de dança aqui. Risos acolá. Traços de ternura inebriante. E então soube-se que os loucos, assustados, tinham desistido: que já não eram, não estavam, voaram para longe.

Era mais fácil para eles assim, repetiam-se muitas vezes para acreditar. Separados, distantes, sendo, as asas por usar, livres… (tic, tac, tic, tac…)

… os beijos que secaram de palavras nunca ditas….

Leave a comment